Numa entrevista ao Jornal de Negócios, Sérgio Ribeiro, presidente da ACAP - Associação Automóvel de Portugal, faz uma análise abrangente ao estado do setor automóvel nacional, enquadrando-o nos desafios da transição energética, da competitividade Europeia e das recomendações do Relatório Draghi.
Os dados mais recentes confirmam um forte dinamismo da mobilidade elétrica em Portugal. Entre janeiro e novembro, foram matriculados 46.666 veículos ligeiros de passageiros elétricos, um crescimento de 27,5% face ao mesmo período do ano anterior, com novembro a registar o melhor mês de sempre. Este desempenho coloca Portugal no sexto lugar da União Europeia na adoção de veículos elétricos, alinhado com países de maior rendimento per capita como Alemanha, Dinamarca ou Holanda, e à frente de Espanha
Apesar destes indicadores positivos, Sérgio Ribeiro alerta para vários “irritantes estruturais” que ameaçam o crescimento sustentável do setor. O principal é a ausência de um novo quadro fiscal global, moderno e coerente com os objetivos de descarbonização. O modelo atual é considerado desajustado, penalizando a renovação do parque automóvel e não promovendo adequadamente a transição energética.
A ACAP defende uma política fiscal que vá além do foco exclusivo nos veículos 100% elétricos, incluindo também híbridos e, em determinados contextos, veículos de combustão interna de baixas emissões. Um plano robusto de incentivo ao abate, semelhante ao existente noutros países europeus, é apontado como essencial para acelerar a renovação do parque automóvel.
Os números do envelhecimento do parque são particularmente preocupantes: cerca de 1,6 milhões de veículos em circulação têm mais de 20 anos e a idade média do parque automóvel português é de 14,1 anos. Esta realidade dificulta o cumprimento das metas ambientais europeias e tem impactos diretos na segurança rodoviária, área em que Portugal continua a apresentar indicadores negativos no contexto europeu
No caso específico dos veículos elétricos, o presidente da ACAP sublinha a urgência de expandir rapidamente a rede de carregamento, tornando-a mais fiável e com manutenção adequada. São igualmente necessárias alterações legislativas que facilitem o investimento em carregadores privados e em contextos habitacionais.
Outro tema crítico abordado é a crescente importação de veículos usados. Atualmente, os usados importados representam cerca de 50% de todos os veículos matriculados em Portugal. Muitos são mais antigos, mais poluentes e menos seguros, colocando o país em risco de se tornar um “caixote do lixo” automóvel da Europa. Para além do impacto ambiental, esta realidade agrava os riscos de segurança rodoviária, dado que os veículos mais recentes incorporam sistemas de proteção e prevenção de acidentes muito mais avançados.
Sérgio Ribeiro destaca ainda o peso económico do setor automóvel, que representa cerca de 167 mil postos de trabalho diretos e indiretos, 4,1% do Valor Acrescentado Bruto e 12,6% das exportações nacionais. Globalmente, o setor é responsável por menos de um quinto das emissões totais, não devendo, por isso, ser tratado como bode expiatório exclusivo das dificuldades no cumprimento das metas ambientais.
No enquadramento europeu, o Relatório Draghi identifica o automóvel como um dos dez setores estratégicos para a competitividade da União Europeia, empregando cerca de 13,8 milhões de pessoas. O relatório alerta que uma transição para a descarbonização mal gerida, sem uma política industrial coerente, pode comprometer a competitividade económica e o bem-estar europeu.
Portugal, defende o presidente da ACAP, não pode ficar indiferente a estas recomendações. Um novo enquadramento fiscal e industrial será determinante para atrair investimento, reforçar a competitividade e garantir que a transição energética do setor automóvel seja sustentável, equilibrada e socialmente justa. Nesse sentido, 2026 poderá ser um ano decisivo para uma renovada ambição do setor, tanto a nível nacional como europeu.